Não é exagero afirmar que o conceito “sustentável” é um dos termos mais usados e abusados nas narrativas contemporâneas. Mas afinal, o que é sustentabilidade?
Não é exagero afirmar que o conceito “sustentável” é um dos termos mais usados e abusados nas narrativas contemporâneas. A destruição que o mundo capitalista tem produzido, de fato, levou a uma situação tal, que tudo que queremos é sentir que nossas ações nos levam a um futuro melhor, distante dessa destruição. Aí entra o adjetivo “sustentável”: o que a ele é associado - um produto, uma ação, uma ideia - em princípio não “agride a natureza”, ou seja, contribui para um futuro melhor.
É óbvio que a maioria do que se vende por sustentável não passa de marketing, ou seja, “greenwashing”. Não faz muito tempo, o Banco do Brasil se vendia como “o banco mais sustentável do mundo”, a partir de um ranking elaborado por um instituto do mundo financeiro. Esse mesmo banco que financia o agronegócio que mais desmata e usa agrotóxico do mundo. Vejamos então que sentido objetivo pode ter esse adjetivo “sustentável” para as pessoas que não colocam o lucro acima dos interesses comuns.
O conceito de "renovável"
Desde um ponto de vista objetivo, ecológico e científico, o conceito mais claro dentro desse campo é o de “renovável”. Um processo é renovável se ele pode ocorrer indefinidamente sem prejudicar o ecossistema onde se situa. Um exemplo claro é sobre os resíduos. O resíduo orgânico de cozinha - cascas, restos de alimento, etc. - podem ser reciclados indefinidamente. O local onde a compostagem ocorre, se bem feita, não ficará contaminado. Esse processo é renovável. Propriamente, então, sustentável. O contrário ocorre com o resíduo rejeito - fraldas e absorventes usados, por exemplo. Se for depositado em algum lugar, o irá contaminar durante séculos. Não é renovável.
Desde esse ponto de vista, uma agricultura é sustentável se ela pode ser praticada durante um tempo indeterminado sem prejudicar o solo e o ecossistema onde ocorre. Esse conceito funciona até quando utilizado numa acepção econômica, quando falamos, por exemplo, que “tal negócio é sustentável economicamente”. Isso significa que ele gera mais renda do que despesa. Se um negócio gera mais despesa do que renda, ele vai consumir patrimônio, até que este termine: falência. É o que ocorre no caso dos ecossistemas, apesar de termos que sublinhar os limites e armadilhas desse tipo de metáfora. As atividades não sustentáveis ficam retirando “capital natural” dos ecossistemas, o que resulta em danos na saúde ambiental das pessoas e demais seres.
Essa discussão mostra como é difícil utilizar o conceito de sustentabilidade de uma forma clara e objetiva. O que seria um “banco sustentável”? (Vi que, dentre os critérios que credenciou o BB a ser sustentável estava o uso de papel.) Quando afirmam ou me perguntam se a Casa Viva do Sítio é sustentável, hesito sobre o que responder. Olho para os inúmeros objetos de plástico aqui presentes, olho para o motor Diesel de nossa caminhonete, penso na energia elétrica que consumimos e vejo que nada disso é realmente renovável. Por outro lado, o aquecimento de água, o saneamento, a iluminação, a bioconstrução, o uso de materiais locais, nossa horta e agrofloresta, sobre tudo isso não tenho (muitas) dúvidas sobre a sustentabilidade.
A conclusão em que chego é que o conceito de sustentabilidade nos ajuda em parte, mas também nos prejudica. Ele é útil se queremos fazer comparações: X é mais sustentável do que Y. Mas afirmar que algo é cabalmente sustentável só faz sentido em relação a processos muito delimitados e de pequena escala - como o exemplo da compostagem doméstica. Em escalas intermediárias, onde vários processos se interligam, certamente haverá processos não renováveis. Em escalas amplas, daí sim o conceito é praticamente sem sentido. Definitivamente, falar em “desenvolvimento sustentável” é um contrassenso, uma artimanha cujo objetivo é manter o status quo funcionando. Mas isso é assunto para um outro post.
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